quinta-feira, 13 de setembro de 2012

São Pedro da Cadeira (II): Origens e história da freguesia




Época Medieval

Estabelecida como freguesia possivelmente entre o século XV e XVI, o povoamento desta zona do concelho é contudo mais antigo, como se comprova não só pelos vestígios arqueológicos aqui encontrados, como também pela documentação histórica. Assim um dos mais antigos documentos a referirem-se aos lugares desta freguesia é precisamente a Carta do aforamento feito pelo Rei D. Afonso III, em 14 de janeiro de 1272, de várias courelas na Coutada de Rendide ou Randide («Randidi» no original), nome pelo qual era conhecida esta região então, a 16 foreiros, que se podem dizer serem os mais antigos povoadores conhecidos da região, a saber.
- Pedro Domingues, genro de Sansão
- Soeiro Orvalho
- Lourenço Martins, criado de Soeiro Carvalho
- Miguel João
- Afonso Pedro, filho de Pedro Martins, tabelião de Torres Vedras
- Pedro Martins, tabelião de Torres Vedras
- Vicencio Pedro dito Reganado
- Martinho de Armaz
- Francisco Vicente
- Gonçalo Gonçalves, genro de Pedro Afonso de Óbidos
- João Pedro, da Romeira
- Miguel Mendes, genro de Paio Alaleima
- João Paio, genro de D. Romeu
- João Soeiro, de Monte Ferreiro
- Estêvão Mendes
- Jordão de Rendide



(Vida no Campo na Época Medieval)


O aforamento destas courelas era dado aos referidos foreiros na condição de eles e seus sucessores as lavrarem bem e darem 1/3 dos frutos que estas dessem, de pão, vinho, linho, de óleo (azeite ?), legumes, alhos e cebolas, bem como 2 alqueires (pela medida de Torres Vedras) de farinha de trigo peneirada, um capão bom e uma dúzia de ovos (1).
Por esta altura já existem documentos de aforamentos de bens da Ordem de Malta aqui situados pois Frei Afonso Peres de Farinha, Prior do Hospital de S. João (entre 1260 e 1276), deu a foro uma vinha no lugar de Assentada e outra em Randide, e uma vinha e herdade em Randide (2).
Em 1295 também a Colegiada de S. Miguel de Torres Vedras aparece como proprietário em Randide na Carta de venda de uma herdade «onde chamão Várzea do Redondo» (3).
No séc. XIV voltamos a ter registos da coutada e casais de Rendide pois em 1385 D. João I deu em tença a Vasco Martins da Cunha, o Moço, vassalo de D. João I, que foi senhor de Penalva, Sinde e Azere, a sua Coutada de Rendide por Carta de 6 de Outubro (4).



(Registo da Carta de D. João I em 1385)

O mesmo D. João I fará mais a doação dos casais que tinham sido do marquês de Montemor a um tal de Gomes Soares, onde é referido o casal de «Rendide»

Este tipo de senhorio de terras era muito comum no concelho de Torres Vedras e em especial no litoral do concelho, conforme regista Madeira Torres (5):
«Na Freguesia de S Pedro da Cadeira logo nos seus confins do lado Norte há alguns terrenos pensionados à Igreja de S Μiguel da nossa Villa e cobra hum considerável foro da Quinta denominada d Arêa entre esses limites e a margem direita do Sisandro existem diversos casaes que formão hum importante prazo da casa do Barão de Tavarede (Cabral Quadros) de o qual demais de algumas propinas recebe o terço da produção (b) além disso há propriedades de que se paga o quarto á Commenda de Malta e algumas pensionadas á Capella de Travassos, de onde tirão o nome. Além da margem esquerda do Sisandro há casaes pensionados ao Mosteiro de Odivellas e outros de que se paga o terço em que levão metade as Ex.mas Casas do Duque de Lafões e de Noronha; finalmente as várzeas situadas entre os lugares de S Pedro da Cadeira e da Coitada, na maior e melhor parte posto que algumas damnificadas pelas áreas do rio, humas são pensionadas à Sereníssia Casa de Bragança, e taes são as da Pailepa (c) e outras à Sreníssima Casa do Infantado e tais são as compreendidas no seu Reguengo no dito Sítio (a).
(b) Este prazo foreiro ao Mosteiro d’Alcobaça que cobra do primeiro enfiteuta o foro annual de 14$222 rs compõe se de 9 casaes sendo o de Valverde que tem Ermida como a cabeça dos outros que são o do Grillo; dois d’Alfaiata; de Sequeira; de Val de Martello; da Casa branca; do Palmeiro; do Monte Guilhão só o primeiro paga renda ou quota certa e pitanças todos os outros pagão alêm dessas o terço.
(c) Os foreiros são 68 e á excepção de 14 d’esses que só pagão pensão certa todos os outros em cima d’alguma certa e pitança pagão o terço as pensões certas em trigo somão 239 alqueires em cevada 1414 em gallinhas 374 em frangos.
(a) He a cabeça do Almoxarifado e se denomina = Reguengo de Rendide = Nos limites do lugar da Coitada tem 98 propriedade dadas em emprasamentos perpetuos com a pensão do terço de toda a novidade e pitanças de gallinhas que são na totalidade 299. Comprehende diversos casaes e propriedades avulsas dentro do Termo».

Os senhorios além de casais tinham também aqui algumas propriedades mais extensas ou quintas que exploravam diretamente ou arrendavam como por ex.º a Quinta de Pero Lobo citada em 1501 (6), ou a Quinta de Valverde, dotada de Ermida, que como se viu era prazo do Mosteiro de Alcobaça.

Época Moderna

Sobre a origem da paróquia de S. Pedro da Cadeira não existem elementos concretos, contudo os editores de Madeira Torres referem que a Igreja é «muito antiga, e porventura já do séc. XIV ou XV, a julgarmos pela linguagem do compromisso da sua confraria, o qual se acha sem data no seu tombo, e como paroquia também não se sabe precisamente o seu começo. Mas pelo menos no tempo do dito tombo (?) já o era pois fala da casa de residência que tem o clérigo de S. Pedro; o mesmo se colige já da visita de 1506, onde se diz que havia capelão, que curava e dava os sacramentos, obrigando-o a que chamasse os padres de S. Miguel para os enterros e saimentos» (7).
Na mesma visitação de 1506 o Visitador da Igreja de S. Miguel de Torres Vedras regista «achey que a freguesia da dita egreja (de S. Miguel) que asy era curada per os ditos beneffeciados era grande em que tinham mill almas de curar e mais afora a capella de Randide que era curada per capella de fora», no ano seguinte de 1507 dizem as mesmas visitações que a capela de S. Pedro da Cadeira também necessitava de reparações, sendo que a obrigação de reparar o corpo da igreja pertencia aos beneficiados de S. Miguel e o telhado era da obrigação dos fregueses (8).
Esta Igreja ou Capela de S. Pedro tinha anexa, à semelhança de outras Capelas no termo de Torres Vedras, uma Albergaria ou Hospital para pobres.

Além da Confraria de S. Pedro havia também a de N.ª Sr.ª da Cátula (ou da Cátedra), com a sua Ermida, também referida num Tombo de 1507, e que pelos anos de 1536 organizava um bodo ou festa anual para angariação de receitas para a fábrica (vide Ermida de N.ª Sr.ª da Cátedra).

O território da freguesia de São Pedro da Cadeira pertenceu na época medieval à freguesia de São Miguel de Torres Vedras, de cuja igreja paroquial era filial e cujos Beneficiados apresentavam o Cura de S. Pedro da Cadeira.
Segundo consta do livro das visitas de S. Miguel de Torres Vedras, de 1530 até 1535 foi a igreja feita de novo, sendo a capela-mór por conta dos padres de S. Miguel, e o corpo da igreja do povo, o que confirma que era Capela antiga possivelmente fundada, como referido anteriormente no século XV ou antes (9).
O Título da Igreja ou Capela era a Cátedra de São Pedro em Antioquia, festa que a Igreja Católica comemora no dia 22 de Fevereiro.

No século XVI em 1527 (10) as principais povoações da freguesia de S. Pedro da Cadeira eram:
- A aldeia de Mougelas e Randide e casais ao redor, com 48 vizinhos;
- Aldeia da Coutada com os casais ao redor, 21;
- Aldeia do Zimbral e Areia e casais ao redor, 11, com as Açaqarias (Secarias) (atualmente na freguesia de Silveira);
- Aldeia d’Alfayata (Casalinhos de Alfaiata), 25 (atualmente na freguesia de Silveira).

A Paróquia foi inicialmente conhecida por São Pedro da Cadeira de Rendide (também grafada de Randide), por se situar no Reguengo ou Lugar de Rendide, como se regista na Visitação de 1683 em que se refere: «Sebastião Dias Camelo, prior da paróquia de S. Lourenço da vila de Santarém e visitador neste arcebispado do distrito de Torres Vedras faço saber que visitando esta igreja de S. Pedro da Cadeira no lugar de Rendide (...)».

Além dos lugares atuais da freguesia fizeram ainda parte do território de S. Pedro da Cadeira lugares da freguesia da Silveira onde existem ainda as antigas Ermidas de Santa Cruz, no lugar do mesmo nome e N. Senhora da Piedade no Casal ou Quinta de Valverde, propriedade do Mosteiro de Alcobaça, antigas filiais de S. Pedro da Cadeira.

Em 15 de Dezembro de 1675 os moradores dos lugares da Silveira, Secarias e Cerca, então freguesia de S. Pedro da Cadeira, fizeram uma escritura para construção da ermida original de N. Senhora do Amparo (11), a qual foi inaugurada em 1679 e que sofreu obras no século XVIII pois em 18 de Julho de 1726 se alcança licença para nela de novo se dizer missa (12).

Com o terramoto a paróquia de S. Pedro da Cadeira sofre vários danos, nomeadamente quanto aos templos e estruturas, assim a ponte do Rio Sizandro, que ligava o sul ao norte da freguesia, e para a gente passar tiveram de lhe colocar uns paus.
Esta ponte fora originalmente edificada em 1326 pelo Mosteiro de Alcobaça por ordem real conforme se regista em escritura de 30 de Junho desse ano (13).

Na Igreja de S. Pedro da Cadeira houve uma Irmandade do Santíssimo Sacramento, responsável pela manutenção do Sacrário, cujo Compromisso foi aprovado pelo Cardeal de Lisboa, D. Tomás de Almeida, em 2 de Junho de 1740 (14). Esta Irmandade terá sucedido á Confraria de S. Pedro da Cadeira.

Foi natural do lugar de Mouguellas, lugar hoje anexo ao de S. Pedro da Cadeira, o Padre António de Morais, um dos Irmãos Terceiros da Ordem da Penitencia estabelecida na Freguesia de S. Pedro da Cadeira, que aqui foi sepultado pouco depois dos anos de 1770. Admirado estudante, e Sacerdote, que professou parte da sua vida religiosa no Convento do Varatojo (15).

Em 28 de Setembro de 1926 os lugares a norte do rio Sizandro, com exceção do lugar da Coutada, separam-se de S. Pedro da Cadeira para formar a nova freguesia da Silveira, a qual foi também elevada a paróquia em 21 de Dezembro de 1928.


RUI M. MENDES
Caparica, 13 de Setembro de 2012



Notas:
(1) Leontina Ventura e António Resende de Oliveira – Chancelaria de D. Afonso III, Volume 2, # 501
(2) José Anastácio de Figueiredo Ribeiro – Nova História da Militar Ordem de Malta, Vol. II, pp. 211-212, 275
(3) TT, Colegiada de S. Miguel de Torres Vedras, Mç. 6, n.º 114
(4) Chancelaria de D. João I, liv. I.º, fól. 79v – cit, Anselmo Brancaamp – Brasões da Sala de Cintra.
(5) Madeira Torres – «Descripção histórica e economica da vila e termo de Torres Vedras», Memórias da Academia Real de Ciências de Lisboa, Vol. 11-12, pp. 279-280
(6) TT-CHR, D. Manuel I, liv. 37, fól. 61
(7) http://arqtvedras.home.sapo.pt/LetraS/S0109.htm
(8) Isaías da Rosa Pereira – «Visitações da Igreja de São Miguel de Torres Vedras (1462-1524)», Lusitania Sacra, 2.ª Série, N.º 7, 1995, pp. 181-252
(9) http://arqtvedras.home.sapo.pt/LetraS/S0109.htm
(10) Anselmo Branccamp [ed.], «A Povoação da Estremadura no XVI Século», Archivo Histórico Português, Vol. VI, Lisboa, 1908, pp. 254-255
(11) Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Tít.º Torres Vedras, pág. 689
(12) TT-CEL, Mç. 1809, N.º 352 e 344 - Inédito
(13) TT, Coleção Especial, Cx. 89, n.º 23 – cit. Pedro Azevedo, «Miscellanea archeológica», O Archeólogo Português, Vol. VII, N.º 7: Julhp de 1902, Lisboa : Imprensa Nacional, 1903, p. 180, 182-183:
«Sabhan todos que ena villa de Torres uedras ssoo Alpender de Martin ssymhões Aluazil conuen a suaber prestumeyro dia do junho era de Mil e trezentos e sase~eta e quatro anos en presença de mjn Domingos de carnyde publyco Tabelliõ del Rey ẽ na dita villa e das t(estemunha)s que adeante sson escritas ffrey Steuã procurador e celareyro do que a orden de Alcobaça a ẽ Torres uedras e ẽ seu termho disse e ffrontou ao dito Aluazil que El querya cõprir a carta del Rey que El dise que tijnha sarrada pera fazer as pontes asy e como ẽ ela era denyaado come quer que nõ ffose dereyto protestando que nõ ffosse ẽ seu preiuizo e que a querya ffazer en esta guyssa en rrandide ena testeyra per hu entesta Alcobaça conuen a ssaber ponte de lageas per tal guyssa que sen receo ffosen per ela e que durase uijnte e trynta e quarẽeta anos se mester ffose e se caese que a farya per esta guyssa como dito he das quaes cousas o dito ffrey Steuã pydiu a mjn Tabeliõ hu t(estemunh)o Eu deylho. ffeito no dito logo. Ts. Gonçalo moreyra Martin anes das couas Martin Anes Johã uycente procuradores Afonso martins (sic) Domjngos Morãao e outros. Eu dito Tabeliã a esto ffuy este testemujnho screuy e aqui meu signal pugy que tal + e».
(14) AHPL, Ms. 583, fól. 281 – Inédito
(15) Fr. Manuel de Maria Santísisma. Historia da fundaçaõ do Real Convento e Seminario de Varatojo, com a compendiosa noticia da vida do veneravel Padre Fr. Antonio das Chagas, e de alguns varoens illustres filhos do mesmo convento, e seminario ...", Tomo II, Porto : Ofician de António Álvares Ribeiro, 1800, págs. 627-628

TT : Torre do Tombo
AHPL : Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
CEL : Câmara Eclesiástica de Lisboa
CHR : Chancelaria Régia

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